terça-feira, 18 de agosto de 2015
Rogel Samuel - Os cantos (1964)
Canto primeiro
Decorrido o tempo a imagem dela
entre as pessoas da rua começa a linear-se
ou desaparecia ou próxima e inteira
como um coice se via a variada
aspergida dispersa. Sua figura
de tordo e metal desconhecido
enfurecia o comando deste povo
que habita diretamente todos nós
acelerava a parte e sobre a sarça obscura
certo da sua atitude disciplicar
amanhecia ainda um mapa de cores
à disposição. Oh sinto-me levado
pela demonstração a coisa o folhear
porque mostrar é o meu único refúgio
e o meu desenlace transacto imposto tenso
nunca passava de róseo amarelo azul
nenhuma cor. As pernas estendidas sobre o
fundo, espero e fico como que mais surdo
às expectáveis palavras dos velozes
quem podia me reanimar: era sozinho
e ela faiscações rebrilhos Potestade
conseguia tocar os dedos transferidos
para outros compromissos plataforma
mais alta mais velada alada e aérea
fala fatalidade irmã da morte
quem se aformoseie e se transfere em quê
argila topográfica caminhada
caminhemos convictos, caminhemos
e sedimentares que ali não eram certos
de pálida derrota senão estava
dizer de cláusulas alfandegárias trapaceadas
oh irmãos da morte vigiai
as inúteis bandeiras abas leques
queimam gasolina controlada
computada pelos contornos senhoriais
arrendai-me oh grande queima verde
recém saída de altos fornos cerimoniosos
que pegando o tecido e examinando a cor
discutem entre si sacudindo os olhos
penduricalhos pinjentes quedados
superiorizados pagos trepados: à tintura
o consolida moço de consciência
proletário pulsar dos pulsos que seguravam
nos sustentando famintos e opressores mitos
umas leves camadas de barro que se espoliavam
aos duros golpes do inimigo devotos
gaivotas gotas de Infinito acaso a morte
parda e morna e paliçada ardia
mas estando refrigeradas e atadas
eram pingentes constelações turbinas tubulares
que se aprofundavam em congelamentos e orgias
Era a guerra. Endereçadas populações marginais
nutris de servidiços trabalhos
a imitação - que é minha - sempre aberta
olhos elétricos candelabros enodoados
se apagavam em cores para a visão final
cadeirinhas carreiras tremulina dons
a placa de metal sobre o alto assoalho
sobretudo os altíssimos raios sacramentais
e contínuas marés de compridas nuvens
alvuras para que passemos sobre as suas
cabeças sensuais querem meu afago
mais que a trama o permitir e então
no frígido planeta estereotipado
sentido pintado o fim do mais querido
sonho, adeus, foi só um momento aquele
o tapume os jogadores o pólo verde
ainda entrevejo, débil coração
conexa a minha memória esgarçada
já vigiava o céu, velho e severo
céu que era pleno de estrelas assassinas
em baixo da minha pouca paliçada
o rol de meus amigos mortos aprisionados
camuflados traidores feitores dores
fugiam todos por um curso usual
1963, lembro-me que era de tarde
- traspassada dividida, lentamente
andávamos através daquela rua
o lugar grave passos tardos convulsão
resumida o contato nossas mãos
- toque de dedos, rápido e desperto
eu não conseguia narrar, ó musa descoberta
evanescente irrecuperável ocorrendo
por onde passava inteiramente aberta
a presença frente a tela de cinema
e implantado aquilo que me era triste
pois tudo começou no dia que lembro
quando acordei o teto do meu quarto
desmaiado vinha de amanhecer um outro
sol do outro lado do mundo, aberta a janela
labirinto abastardado claro suavíssimo
marítimo emanava aquele ponto horrível
horizonte que entrando um azulado
vento do mar oleava. Lembro-me das linhas
retas cruzes ruas úmida cidade indiferente
da quase madrugada que chegava a forte
perfeita aterradora ambígua assassina
as persianas que batendo vivas
e que desesperavam para a morte
a minha confiança e a minha lembrança
o aroma de café entrante o espaço lerdo
subia até ali. o esquecido, eu pensei:
devo amá-la. e olhei pela janela
na espera de encontrá-la: mas um grupo
policiais à paisana e eu... súbita felicidade
vinha da calma da praça em que estávamos
na borda daquela raça ela subiu pedestal
vazio frio cabeceira tanque retangular para o ar
sumiam seus braços seus brados espalmados
para o céu como voasse ameaçava
dizia que o vento intenso era sensual
recolhia para si própria aquele medo
e levava ao majestoso ao largo olhar
mar que soando forte aos nossos gritos
órgão a sua voz de meus cristais
a salsugem penetrava e da camisa
nua sobre seus cabelos ressoava
e entrando como por um túnel me atava
nadava me entristecia ainda mais
da sua essa passageira aparição demora
o momento montante o interior imensurável
os rápidos retardos que é para sempre
adormeciam e sinto espécie nova
um som um estilhaço longo momentos
de certeza inteiramente perdição
depois na praia ela se deitava
e se largava na areia matutina
e era suave aquela branca nua
visto de longe no mar era certeza
espécie de vedação alta azul e informe
as coisas se dissolviam em explosões
cristas e covas cintilações sonoras
luminosidades que a ela me contavam
naquele dia no convés de quase tudo nascia
a ondulação dobras das velas
esbeltas circulares e misteriosas
Nós dois. Nós dois ríamos muito
de face recebendo gélida chuva
gotas algumas da tarde e haviam dito
- ouvíamos som de gaivotas e de mares
que ela andava como adorno multicor
ela se precipitava entre coisas vivas
que depois os soldados invadiram
bombas rebentavam no meio da sala
não havia rádio nenhuma comunicação
eu ainda não passava de matar a esperança
amada e ela morta certamente
a porta da frente onde estávamos
talvez aberta talvez fechada rebentou
eu passava a mão sobre sua cintura
e mordia-a na nuca ternamente
a porta começava a chave introduzida
na fechadura como ainda me lembro a outra porta
bem defronte os azulejos brancos a pia branca
a geladeira branca e lá fora chovia e a clara voz
nos dizia que era o fim de tudo
e que ouviríamos certamente o nosso algoz
como para poder fugir para o fundo de nós mesmos
tomamos de súbito os sinais
e entravam e se apoderavam os policiais
de toda a casa que um dia tinha sido minha
jogamos o nosso conteúdo fora
e fomos engolidos pelo meu silêncio
fugimos dali. Aquele golpe vitorioso
nos deslocava para a clandestinidade
fomos nos ver numa estação suburbana
olhávamos a planície e estávamos sós
quase uma centena de esperados iam
no bojo do mesmo trem. Mesmo ali naquele isolamento
desmilitarizados passavam policiais e viaturas
e nós éramos presumidos e perdidos
Val era linda. Palavras cheias de angústia
fome medo perdição: Que fazemos aqui? Para onde ir?
Novo grupo de policiais chegava
nas imediações campos de guerra
e a porta cedia a pancadas a invasão
começou. O garoto olhava espantado. E começava
a lavrar um incêndio.
Canto segundo
Sucede que assentou num banco de pedra
com todo pedantismo que de sempre
lhe era familiar. Naquela praça distante
ficava a esperar e a pensar
- mas o que estava esperando senão morte
neste ponto nem via que por ali
poderiam encontrá-lo. As lanternas
que partiam iluminavam-no violentamente
de vermelho. E ele espera calado
com suaves sentimentos depressivos
havia andado tanto depois de ter fugido
que atrás dele no largo da praça estariam
mas ele nada mais queria fazer. As crianças
corriam gritos pela noite. Morna e plácida
provinciana geografia, geometria mortal
irmã do sonho. Dois velhos caminhavam pelas
sombras da noite, cada um com seu embrulho.
Ele estava bem, ali. E até poderia
dormir sob os faróis dos carros que cruzavam
o que sentia. Em breve, porém, ficou sentindo
um gosto mole de aço e de azedume
como se o vento que vinha sobre ele reto
pudesse lhe cavar um fosso dentro
Às vezes algumas lembranças familiares
o levavam num passeio da imaginação
e era como se sua mãe, tia e sobrinha
dissessem ser agradável viver ali
e de pensar naquelas pessoas ternas
não havia os tais carros e seus sistemas.
O pregador e seu dilema. Um viver que o sustenta,
circunda, pega, o põe indiferente.
Ele nada mais via naquele fundo
tudo que estava, tudo que faltava estava ali.
A noite que o circunda nas vidraças
altas prolongava aquela letargia e acomodação.
Era tempo. Pois no dia em que almoçaram juntos
havia muito sol. Depois do almoço
andaram até a margem, a praia onde estavam
sempre. Havia um vento, uma frescura quase fria,
e o gosto na boca era de pomar
Todas as reverberações no tanque
além do gradil de ferro ofuscava por momentos
O mundo enquadrado estava claramente
limpo, sadio, em sossego. Ele tomava
de algo no bolso e começava por alguns instantes
a brincar. E o metálico do papel
que o envolvia riscava o céu de diamantes
Mas o sabor era excelente, a dissolução
lenta, excitante. Salivava. Estava alegre
de estar sentindo. Havia pássaros descendo.
Os edifícios agora na manhã
espelhos de fantásticas vitrines. A camisa
aberta com suas asas desarticuladas
exibindo o ventre arqueado. Ele tinha naquele
instante a silhueta mais de pássaro do que
do pobre rato e, descendo a vista poder-
se-ia ver a sua forte carnação. E desde o pescoço
sólido até as pernas, tesas, tensas, quase tortas
o seu corpo se contorcia e se deslocava
numa dança que andava. Tudo viu. Andou
sem jeito até bem perto do vidro. E um grupo
de turistas passava. Alegres e por detrás
no fundo da imagem. Alegres, falavam, não
o viam, nenhum deles. Sua presença era dureza
e aridez. E tendo visto saiu assombrado
da marquise, da rua com seus gritos com
seus giros e para lá se dirigiu, seus passos
sobre a calçava levavam, vagava
Um bar fechava as portas. A noite
era dos afastados lampiões que se apagavam
e uma leitosa névoa cinza anunciava
a madrugada. Seus sapatos molhados
seus olhos molhados. Na mecânica
da tristeza de andar, sem atinar, sem saber para quê.
Procurava e ter para onde vir não, não mais
chorava estava diante da nobre descoberta
passara sombra futuro deixava
inquietar pelo menos durante aquele
tempo mas como se mudava alternava era
possível que em breve nova orda deprimente
o tomaria como uma agitação nervosa
angustiante ele fugia e na realidade
procurava andava atrás da fuga era
possível que soubesse e dele era o que
não tinha bem certeza o perseguiam
hoje mesmo o pensava a fuga era uma
engrenagem necessária e exercera
como o que tentava alcançar e não sabia
e o alcançava rodeando aquela parte daquela
cidade perigosa das pessoas cujas portas
franqueavam sem que pudesse regressar
sensação de que tudo estava excluído para
quando entrou experimentou logo
a solidão daquele espaço vazio
atravessando a área descobriu no outro
o lado o disfarce a saída que apontava
e uma estrada que partia sempre
e ninguém passava por aquela estrada só
os inúteis os demônios inúteis o fundo descortinava
o vale as grandes montanhas além
morcegos de vento passavam por ali idos
musguentos com estrídulos chiados estilhaços
quebravam o ar com seus gritos suas
negrinhas asas cobrindo o sol a lua estrelas.
e ouvir o trinar grave e reto
de certas aves ocultas travo rouco baixo e grave
monstro e seu arquejar forte seu resfolegar
abrindo um túnel de torpor e medo as abas da morte
se abrindo par em par e rolando aquela parte
se postou para frente oh estrada! quando vinha
soturno a triste impressão que navegava
a luz da morte seus faróis aquela parte
obscura e perdida onde ocorria tudo
chamado vento sangue não sei o quê
CANTO TERCEIRO
Mas ele, voltando-se, viu-a e acenou com braço
ela não respondeu e era como se nada nenhuma
reação. Ele tirando a lente dos olhos voltou-se
para aquele ponto do horizonte. Deu três passos e
fechando a porta desceu a escada, passo a passo
avançando ora formulando orações incompletas
ela desaparece ele olha em torno passo os dedos
ela voltou-se debilmente sobre mim. Onde
estávamos? Não podia dizer com exatidão
se sonhávamos ou se a terna superveniência
estava realmente registrada aquarelas
suavíssimas limitavam do verde ao quase
róseo ao azul e ao dourado profundo
vaporosamente descíamos dentro daquela massa
aquela inconsistente nuvem a estabilidade dela
em tudo não existia nem a essência daquela nuvem
feita de música que trazia aquele silêncio vaporoso
espuma que estruge - mas era no limiar, alta moeda
de ouro daquele lugar nos observava. Havia
uma grande orla na avenida litorânea. "Você
quer voltar?" ela perguntava. "Se você quiser",
respondeu. E a onda cresceu ameaçando-o
veio com sua bamba baba raivosa e curvando-se
sobre ele que se jogou naquela colina de ar
e o baque umbroso e o reboliço da massa estuante
escorria em direção a ele. "Não pensei que estivesse
ali", pensou. Espantou-se / quando a viu sair nua
vedado o serviço e acalanto, servido aos que
coroados de alarde e intensiva batida de címbalos
o ritmo prosseguia cheio de tortezas e vieses
como seguindo a força de seus músculos por baixo
o vapor subiu branco e parótico enquanto vivíamos
o ritmo invertido e cativo submissos com fervuras
Ah, eu estava feliz! E ela apareceu numa de suas melhores
perfórmances dentro do aquário em que estávamos
olhava o ambiente do fundo escuro iluminado apenas
por um ângulo do cenário onde estavam os luminosos olhos
as gigantescas proporções elétricas nos posicionavam
e as curiosas listras vermelhas aquele peixe vinha
quando ele se expunha às luminosidades, de flanco
e através de uma porta horizontal de horizonte
e um alçapão quadrado por que poderíamos sair
e ocupava o centro e larga parte esquerda
por onde possível era penetrar nas regiões obscuras
que remotas se aprofundavam onde certos peixes
existiam e eram vistos num esporádico nadar
e toda aquela beira da abertura que formava
como um peitoril sobre a grade enferrujada
e finos balaústres apodrecidos como touca de pelúcia
Oh que ela se decompunha... Seus pedaços se largavam
flutuantes e deixados para trás quando se movia
a passos lentos e submarinos de fantasmas
mas nesse momento alguma coisa emergera
muito acima de nós muito acima de nós
como tampa arrancada e forçada a sucção
da tensão superficial: houve festa de molhados guinchos
como uma grande seta um grande peixe vinha sobre nós
de muito longe de muito longe ele vinha e largava suas
bolhas de cristal de ar e soltava um som de engasgamento
um óleo e uma cor: ela se desarticulava, em vão
eu tentava rearmá-la unindo as partes e não deixando
que se perdessem detalhes importantes. Afinava delgada
e eu não lhe podia valer:
"O correspondente da France Press escreveu que um novo ataque foi efetuado ontem contra a capital pela aviação inimiga desde as 11:40 até às 12:05 locais.
"As pontes PD, nas margens do rio V, e o setor de GL foram os principais objetivos, porém outros ataques de despistamento foram realizados simultaneamente contra vários pontos da região.
"O ataque foi realizado por três ondas de bombardeios, com uma diferença de cinco minutos entre si. Os ataques efetuaram-se a meia altura.
"A primeira e a segunda onda chegaram sobre a cidade por grupos de dois aviões cada uma. Os aviões voram protegidos pelo sol, que mantinham atrás de si, para que as reverberações molestassem os atiradores em terra.
"Os aparelhos largaram projéteis verticalmente sobre o centro da cidade e era possível ver as bombas picarem em diagonal sobre os objetivos. Depois os aparelhos viravam sobre uma de suas asas a fim de oferecer a menor superfície possível aos disparos dos canhões antiaéreos.
"Além das bombas e dos foguetes ar-terra, bombas de balas foram disparadas pela terceira onda de aviões. Essas bombas se reconhecem por sua explosão, que se parece com fogo de artifício. Ao explodirem elas lançam milhares de cubos de metal em todas as direções - são por isso conhecidas como bombas anti-pessoais.
"DEFESA.
"A defesa antiaérea foi muito intensa. O alarma começou na capital vários minutos antes da chegada os aviões, e cada onda de caça-bombardeios era "anunciada" pelos alto-falantes.
"A jovem anônima, sempre a mesma, que anuncia os alarmes pelo microfone dizia que "novos piratas do ar penetravam no espaço aéreo da cidade".
"Ouvia-se então o surdo rugir dos reatores ao longe, e depois os primeiros disparos dos canhões pesados instalados nos arredores da cidade, e imediatamente depois o crepitar de todas as armas, quando os aviões surgiam sobre a cidade.
"De vez em quando a terra estremecia quando explodia uma bomba de grande calibre.
"Às 12:05 locais o último fragor dos reatores sumiu ao longe, e em seguida as sirenas anunciaram o fim do alarme.
"Nas ruas as pessoas abandonaram seus refúgios individuais, limpando a roupa, reajustando seus capacetes na cabeça e montavam de novo em suas bicicletas."
Correio da manhã, 19.12.1967.
Canto quarto
Aquilo se deitava devagar, mansamente
na planície em que aquilo se deixava
se sucediam aves, as aves que voavam,
vontade de dizer, delgada e pálida.
Perto de ti, meu amor, sou sempre
e nós soávamos tecladamente.
Terrível é o dizer, terrível este elo
animado. Não. Nada dizer, simples
cartas que nos envia simples
restam lembranças esgarçadas, pinturas
básicas e suaves movimentos. Não me dizes
onde estás? Não me dizes? Onde? Pudéssemos
ser, pudéssemos ver, pudéssemos
mostrando a si sentir. Sentir não, amar.
Sintomas de amáveis delícias. Oh, amáveis.
Que poderíamos pôr além das palavras?
Anexas elas, tudo. Não sabíamos de nós,
ninguém sabia. Queríamos ter um contado.
Nós nos levantamos lentamente,
devíamos ser leais a nós mesmos,
devíamos, posto que leais, erguíamos
e nos amávamos, e íamos em direção o vento
velava por nós, deslizávamos, cantantes
em danças, em prados, em sonoridades
destinavam-se a nós, levávamos ao nada
contra todos nós. Tudo era escorregar
das coisas textuais. Catássemos os sons que
amados meus, nos põem num único planeta
nome que tem um sopro, um amor
meu inicial, nessas queridas ferroadas
que se prolongavam tanto, resistiam a tudo
e faziam de nós o que bem quer. Que doces
e longas e mestiças linhas frescas de meus
passados reinos, pondo sobre esses planos
os passos de sua sinceridade. Na volta
repito, no seu sintoma de sincero bem.
Belo jovem gesto. Quintessência mentira.
És tu. E sou o teu soltar-se. Corajosa
excursão nos campos e metais. Sanhas.
Mentiras forçadas que teus lindos olhos
sonham. Que te levará a afagar a minha mão?
Mataram o amor divino no nascedouro.
Mataram seu renascimento. Que deusinho
o fez? Que medo o que, mais possível gesto
masturbação em medo, não, não me peça
talvez mais tarde - meus irmãos, meus iniciais -
e que mais poderíamos fazer do que possamos?
Diz que tudo foi e não mentimos. Muito tudo.
Isso não, peço esquecer. Tenha pena de mim
na expressão desse relato. Eu mergulharia
até a morte e não sentiria isso não.
Afogaria irremediavelmente em mim
tirai os céus que não consigo, ninguém
inventa o que já vem dito. Pesamos
não dizer no canto, efetuamos. Estamos
quites disto. Sou grato a este dizer.
Não sou o que falar. O que erguer.
Não mais, não posso. Sumir entre esses
deslize de sol descendo até o que mais
expressar não pode. Passam dias sem que
se vá esse demiurgo planeta, essa distorção
minha, esse rancor mineral. Como falar de mim?
Que gesto farei? Algo parece querer deixar
a garganta do canto e não se importa
se pode abrir a porta e se o ar
em seus medrosos contatos navegar
recolocando as palavras na gruta
onde me sinto triste por não ter escrito
e o devir se abre numa ratoeira enorme
que o suga, lambe, come e o engole.
(1972/1973).
Canto quinto
Praça. Você quer ir ao cinema?
Vamos. A que cinema? Você já viu
o filme de Visconti? Olhe aqui, você
engordou. Foram as férias. Viu a plata-
forma? Não não vi. Está frio. Está frio.
Está muito frio. Talvez chova. Sim, talvez
chova. Olhava para seus olhos, alongavam.
Já está chovendo. Mas não
está tão frio assim. O olhar começava
a inquietar. Você acha? O que
você está lendo? Este canto. Comprou
o cinto? Vou comprar. Quer um
refrigerante? Vencera.
Vamos. Vamos. Espere. Atra-
vessaram. Vamos. Você não devia fazer
isso. Não. A vaidade. É. Você vê?
Vejo. É bela? Sim, é bela. Mas
que é uma coisa bela? Sim. Cuidado.
Você não concorda com ela. Viu
aqueles olhos azuis. Pena que esteja
assim. Os olhos azuis. Tolice. Tão lindos!
Sim, tolice. Você vai lá? Está louco?
Os olhos. Não brinco. (O ambiente
começa a deteriorar-se). Acabou o
sossego. Há um entendimento
no fim. Os olhos riam. Há. Estavam
mais doces. É bom demais
para repetir. Não. Não bebe?
Não. Amanhã. Amanhã.
Nunca.
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